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"Uma mulher que é metade peixe e outras fabulosas bizarrias"
Numa altura em que a globalização económica e cultural parece cada vez mais imparável, a tendência da maior parte dos criadores é para se expressarem em inglês, língua dominante e passaporte de acesso aos mercados com extensão planetária. Alguém lembrar--se de inverter essa tendência, ainda por cima quando o idioma de Shakespeare é a sua língua materna, pode parecer absurdo. Mas é isso que acaba de acontecer com Rhys Hughes, um autor galês muito ligado ao universo da literatura fantástica, que escreveu A Sereia de Curitiba, um "pequeno livro de histórias interligadas", a pensar exclusivamente na publicação em língua portuguesa.
Resumindo: por vontade expressa de Hughes e para boa fortuna da editora Livros de Areia, estes oito contos só existem assim, traduzidos por Safaa Dib. Ou seja, enquanto "variação" de um original que "nunca será visto". Soa borgesiano? Não é por acaso. Jorge Luis Borges, o mestre argentino dos contos eruditos e labirínticos, está no topo do panteão literário de Hughes, um pouco acima de outros experimentadores dos limites ficcionais, como Italo Calvino, Milorad Pavic ou Donald Barthelme.
E tanto assim é que a primeira obra que Hughes editou em português, já na Livros de Areia, foi Uma Nova História Universal da Infâmia (2006), magnífica homenagem que replica a estrutura de um dos mais importantes livros de Borges, sem se ficar pelo mero epigonismo, antes aplicando o seu estilo delirante e o seu humor absurdo às formas criadas pelo autor de O Aleph.
Curiosamente, o ponto de partida deste novo livro continua ligado a Borges, ao compensar uma falha imperdoável do Livro dos Seres Imaginários, em que o escritor argentino se esqueceu de incluir (ou não quis incluir) a sereia, esse mítico ser híbrido - metade mulher, metade peixe -, que leva os homens à loucura com o seu canto.
A sereia de Hughes vive em Curitiba, alvoroçada com a folia do Carnaval, e é mais uma musa frágil do que uma pérfida sedutora. Com os seus "cabelos ondulados", transtorna emocionalmente um Viajante de imaginação fácil e dá o mote a uma série de aventuras maiores do que a vida, em que tudo pode acontecer, desde viagens à Lua (onde os tritões passam a vida a observar o que se passa cá em baixo, através de telescópios cujas lentes encaixam nas crateras) até fugas mar adentro em cima de uma colher com nove metros.
Há também histórias sobre piratas e sobre os boémios tristonhos de Swansea, parábolas engenhosas (Horizonte Eterno), jogos de pura deriva surrealista (Falsa Alvorada de Papagaios), deliciosas narrativas de registo nonsense (Tudo para Nada e Regresso a Zenda), além de um conto genial, Cultos da carga na Ilha do Beijo Picante, que dinamita as fronteiras narrativas e engole literalmente um leitor que simboliza todos os leitores.
Neste livro, Hughes quis ser uma espécie de oitocentista pós-moderno, um Júlio Verne que só escrevesse durante trips de LSD. O resultado é tão bizarro quanto fascinante.
José Mario Silva
17.11.07
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4 comments:
Obrigado pelo aviso! E parabéns! Ainda bem que o DN publicou o desenho com a devida referência à sua autoria. Um abraço!
Pedro Marques
parabens pelo desenho!
lol
ambar;)
olá! enviei-te um mail aqui ha dias para participares num fanzine!
ainda não viste! agurado resposta ate quarta feira! urgente! caso contrario fica para a proxime! abraço e bom trabalho!
Parabéns, tu mereces!
O livro tem belos desenhos!
Gostei...
Bjs. FI.
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